As campanhas eleitorais passaram por uma grande evolução ao logo dos anos. O cenário eleitoral pré-internet era marcado por propagandas realizadas por meios de massa unidirecionais, como a televisão e com legislação que se adequava ao modelo da época. Com a evolução tecnológica e o cenário da economia digital, diversas foram as mudanças no âmbito das eleições, com modernização das técnicas de realização de campanhas.
As campanhas mais recentes foram marcadas por grandes escândalos envolvendo o uso de dados pessoais dos cidadãos para diversos formatos de manipulação do jogo eleitoral. O caso Cambridge Analytica, bastante comentado mundialmente, bem como a campanha eleitoral brasileira de 2018, passou por diversas violações de privacidade, desde o rastreamento de eleitores, passando por fake news e uso indevido de dados pessoais.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor em setembro/2020, traz grandes implicações às campanhas eleitorais futuras. Com o desenvolvimento de tecnologias aptas a aprimorar o marketing digital, através de técnicas, estratégias e ferramentas, que possibilitam a coleta, o armazenamento e a análise de grande volumetria de dados pessoais, sua aplicabilidade se tornou indispensável e obrigatória.
As regras da LGPD devem ser observadas pelos agentes políticos e, como ponto de convergência à legislação eleitoral, a ANPD e o TSE emitiram guia orientativo, com diversas regras e recomendações a serem observadas para as eleições futuras no Brasil, para resguardar os direitos dos titulares e garantir a ordem democrática.
As campanhas eleitorais, até o início do século XXI, eram desenvolvidas com a predominância dos meios de comunicação de massa, especialmente a televisão. Este formato funcionava através de fluxo de comunicação unidirecional, ou seja, do emissor para o receptor, com informações e mensagens definidas pelas organizações de rádio, TV e jornais, sendo que o público não tinha participação na dinâmica de produção e circulação das notícias em massa.
O surgimento da internet revolucionou e aprimorou os formatos de campanhas eleitorais. A internet propiciou a transformação do ambiente de comunicação e alterou a forma de circulação de informação sobre política. As barreiras existentes na comunicação se dissolveram, possibilitando que qualquer indivíduo se expressasse sobre o assunto. Se, por um lado, a comunicação se tornou mais democrática, de outro, criou oportunidades para que determinados indivíduos tirassem vantagem desta inovação.
A utilização destas estratégias e oportunidades proporciona um ambiente de comunicação não apenas mais interativo, mas completamente personalizado, permitindo conhecer hábitos, preferências, comportamentos e afinidades do indivíduo. A internet e, principalmente, as redes sociais, ofereceram a possibilidade de rastreamento das preferências, opiniões e, permitindo que até mesmo emoções sejam mensuráveis.
A partir da vigência da LGPD, um novo cenário com novos contornos é formado para regulamentar o uso de dados pessoais. A legislação foi inspirada no modelo europeu e tem como uma de suas principais racionalidades regulatórias a proteção da autodeterminação informativa do indivíduo, estabelecendo direitos, deveres e mecanismos de controle e fiscalização.
Portanto, a partir da sua vigência, as operações de tratamento de dados pessoais para as campanhas políticas deverão observar os preceitos da legislação. Com isso, partidos, candidatos e coligações passam a ter novas obrigações e a observância das regras definirá o jogo político. A LGPD se aplica às operações de tratamento de dados pessoais realizadas no território nacional. O princípio da finalidade determina a necessidade de realizar o tratamento dos dados com propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular.
O princípio da finalidade é complementado por diversos outros princípios, além de outras regras que incluem direitos e obrigações e definem os limites e parâmetros para o uso de dados pessoais, inclusive para seu compartilhamento.
No âmbito das campanhas eleitorais, tem-se como hipótese legal mais recomendada o uso do consentimento, base legal complexa, que deve observar a autonomia da vontade do titular.
Portanto, o cumprimento do princípio da transparência se torna indispensável, para que o cidadão possa ter voz naquilo que considera como uso inadequado de seus dados, especialmente quando falamos sobre os contornos a serem delineados na vida política. Da forma como o legítimo interesse foi talhado na LGPD, confere ao titular de dados uma posição jurídica de objeção ao tratamento realizado com suas informações pessoais, sendo que a “legítima expectativa” ao trazer conotação subjetiva, permite que o titular comunique o que deseja e espera que seja feito com seus dados.
Diante da subjetividade do legítimo interesse, para fins de campanhas eleitorais, baseadas em técnicas de marketing, que visam a atingir as massas, o consentimento é a base legal que melhor contempla o tratamento de dados pessoais para tais finalidades, como destacado no guia orientativo elaborado pela ANPD em parceria com o TSE. Contudo, a base apresenta diversas exigências na sua aplicabilidade, bem como concede ao titular de dados o poder de revogá-lo a qualquer tempo, o que deve ser devidamente gerenciado pelos candidatos e partidos políticos.
Em tempos de eleições, é importante ressaltar a necessidade dos partidos políticos e candidatos estarem amplamente familiarizados com a legislação e com o guia orientativo, visando a proporcionar a privacidade e proteção das informações aos eleitores e respeitando o jogo da democracia.
- Sobre o autor: Inscrita na OAB/RS sob o nº 98.818, sócia e Diretora Jurídica de Direito Digital e Compliance na Russell Bedford Brasil. Especialista em Direito Civil e Processo Civil e MBA em Auditoria e Compliance
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fonte: https://diariodocomercio.com.br/opiniao/lgpd-e-as-violacoes-nas-campanhas-eleitorais/